quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Diário








Marão

Serra, seio de pedra
Onde mamei a infância.
Amor de mãe, que medra
Quando medra a distância.

Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslises pequenos.

Velha raiz segura
À universal certeza
De um gesto de ternura
E um pouco de beleza.

S. Martinho de Anta, 23 de Maio de 1944.

Miguel Torga
Diário, vol. III



Nirvana

Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o ccoração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário,
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.

Gerês, 1 de Agosto de 1953.


Miguel Torga
Diário, vol. VII



Panorama

Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ointo cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras,
Sem gritos,
Sem o eco sequer duma praga incontida?
Ah! Portugal ccalado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça cconsentida!

S. Martinho de Anta, 28 de Setembro de 1966.


Miguel Torga
Diário, vol. X



Eco


Ah, terra transmontana
Que não tens um cantor à tua altura!
Um Marão inspirado,
Um Douro inquieto,
Um plaino aberto
De carne e osso,
Capaz de recriar noutra verdade
Esta grandeza austera.
Onde as pedras parecem ter vontade,
E nenhuma vontade desespera.

S. Martinho de Anta, 18 de Setembro de 1970.




Miguel Torga
Diário, vol. XI



Doiro


Suor, rio, doçura,
(No princípio era o homem…)
De cachão em cachão,
O mosto vai correndo
No seu leito de pedra.
Correndo e reflectindo
A bifronte paisagem marginal.
Correndo como corre
Um doirado caudal
De sofrimento.
Correndo, sem saber
Se avança ou se recua.
Correndo, sem correr,
O desespero nunca fesagua…

Régua, 16 de Setembro de 1962.


Miguel Torga
Diário, vol. IX









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BioBibliografia 2018

Biografia : Sou reformado do Comércio & Serviços e dedico os tempos livres que, logicamente, são todos os momentos do dia e da noite,...