Marão
Serra, seio de pedra
Onde mamei a infância.
Amor de mãe, que medra
Quando medra a distância.
Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslises pequenos.
Velha raiz segura
À universal certeza
De um gesto de ternura
E um pouco de beleza.
S. Martinho de Anta, 23 de Maio
de 1944.
Miguel Torga
Diário, vol. III
Nirvana
Paz das montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o ccoração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado,
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário,
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.
Gerês, 1 de Agosto de 1953.
Miguel Torga
Diário, vol. VII
Panorama
Pátria vista da fraga onde nasci.
Que infinito silêncio circular!
De cada ointo cardeal assoma
A mesma expressão muda.
É de agora ou de sempre esta paisagem
Sem palavras,
Sem gritos,
Sem o eco sequer duma praga incontida?
Ah! Portugal ccalado!
Ah! povo amordaçado
Por não sei que mordaça cconsentida!
S. Martinho de Anta, 28 de
Setembro de 1966.
Miguel Torga
Diário, vol. X
Eco
Ah, terra transmontana
Que não tens um cantor à tua altura!
Um Marão inspirado,
Um Douro inquieto,
Um plaino aberto
De carne e osso,
Capaz de recriar noutra verdade
Esta grandeza austera.
Onde as pedras parecem ter vontade,
E nenhuma vontade desespera.
S. Martinho de Anta, 18 de
Setembro de 1970.
Miguel Torga
Diário, vol. XI
Doiro
Suor, rio, doçura,
(No princípio era o homem…)
De cachão em cachão,
O mosto vai correndo
No seu leito de pedra.
Correndo e reflectindo
A bifronte paisagem marginal.
Correndo como corre
Um doirado caudal
De sofrimento.
Correndo, sem saber
Se avança ou se recua.
Correndo, sem correr,
O desespero nunca fesagua…
Régua, 16 de Setembro de 1962.
Miguel Torga
Diário, vol. IX
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